segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O rumor do mimo que diz obrigado

Estive a olhar para o meu quarto. Tudo me parece
tão triste. Talvez seja aquela melancolia que está associada a uma viagem, a uma partida. Tenho andado a pensar no que vou levar comigo. Sei que não posso levar tudo e é por isso mesmo que me custa tanto fazê-lo. Provavelmente fui mimado demais, daí custar-me a abdicar das coisas, a despedir-me. Olhei para o meu globo de neve hoje e lembrei me da minha viagem a Londres, das gargalhadas com a minha mãe, do chocolate quente no Selfridge e do almoço no Harrods. "Sim, vou levá-lo". Mais ao lado, entalado entre os livros, um bilhete do Estoril Open 2011 (tinha os outros no quadro de cortiça mas não sabia deste). Lembrei-me da chuva, das minhas botas a pisarem as poças, da raquete que comprei, da fatia que pizza que deixei cair. "Hmm, também vens comigo". Continuei a vasculhar. Encontrei um bilhete de avião, para Geneve. Lembrei-me do aeroporto, da neve no topo das montanhas, do frio, dos pilotos e da boa acção que fiz. "Para dentro da caixa". Na última prateleira estava um porco ao pé de um texto. Este sabia onde estava. Algo que a J. me deu o ano passado, algo que representa a nossa amizade, que me fez lembrar cada sorriso, cada lágrima, cada momento que passámos juntos. Sorri. Não tinha dúvidas, "Claro que vens comigo"- disse eu para o porco (note-se que o porco era de peluche). Andei nesta azáfama quase o dia todo. " Já tenho tudo". No entanto, quando me preparava para ir à cozinha comer uma queijada (por falar nisso apetece-me comer uma a seguir a isto) vi algo no canto , encostado ao armário. Não era o meu trabalho da Drosophila melanogaster que me chamava a atenção ( se bem que ainda estou a ponderar se o levo). Encostada à parede, triste, sem ritmo, sem falar com ninguém há tanto tempo... Sim, tenho uma guitarra, acho que já o tinha dito. Escolhi-a preta, porque assim consigo reflectir as luzes brilhantes nela (sim, estou a ser um pouco paradoxal mas a verdade é que, apesar de preta, a guitarra reflecte bem a luz). Não toco nela há um ano e , sinceramente, tenho alguma vergonha de dizer que não sei tocar. Cheguei a aprender alguns acordes de algumas músicas mas agora acho que já nem pegar nela sei. Sinto que a desprezei. Que a ignorei, que não lhe dei a devida atenção. Quis prometer-lhe que, a partir de agora, passaria a ouvir os seus desabafos todos os dias, nem que só fossem alguns dias. Não consegui, não me sinto capaz de cumprir a promessa. Prometi-lhe então que a levaria comigo e que, quando pudesse, iria tentar conversar com ela. Será difícil pois não falamos a mesma língua (inglês e português entendo, francês amanho-me, "guitarrês"... hmm, não me ensinaram na escola , tenho pena, só "flautês").
Despreza-se a palavra, a honra, as promessas. Mas não te preocupes. Eu cumpro sempre uma promessa e o prometido é devido. Virás comigo e juntos vamos conversar (até porque para onde vou só te conheço a ti e a ele ). Talvez um dia falemos a mesma língua. Talvez um dia viajemos juntos e, talvez um dia, venhas comigo coleccionar sorrisos. Ah, não sabem ? (pois claro que não, que cabeça a minha) Agora colecciono sorrisos. Sim, e obrigados também. Muito pouca gente sabe, não gosto que se riam de mim, mas é verdade. Por enquanto são poucos mas espero, um dia, ter sorrisos suficientes para poder fazer da noite, dia. Sim , colecciono sorrisos e obrigados e ponho-os dentro duma caixa, um pouco barulhenta. " Hmm e essa, vai comigo?" Claro que sim, levo-a para onde vá. E , quando acelera, quando o TUM TUM se torna menos espaçado, apenas significa que preciso de mais sorrisos, de mais obrigados...

 E, de repente, só oiço a minha consciência a repetir a mesma frase, como um disco riscado :

"Bless your soul, youve got youre head in the clouds "

2 comentários:

  1. Fazes bem em quereres levar tudo contigo. Se o fazes é porque as coisas te dizem algo, te trazem memórias ou te lembram a pessoa que tas ofereçeu.

    Penso que sou um pouco como tu, gosto de pegar num objecto especial ou olhar para ele e ser transportado para memórias passadas. Se deixar esse objecto é como se existisse a possibilidade de perder essas memórias.

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  2. Sou muito apegado às coisas, às vezes demasiado. Penso um pouco como tu, que cada objecto é como uma máquina do tempo e, se o perder, é como se se apagasse da minha memória mais um momento.
    Quero levar tudo comigo , o problema é que não tenho espaço para tanta coisa xD

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